
Introdução
A crescente preocupação com a saúde mental no ambiente de trabalho tem impulsionado
significativas mudanças no cenário regulatório brasileiro. A promulgação da Lei no
14.831/2024 e as diretrizes estabelecidas pela Norma Regulamentadora no 1 (NR-1)
representam marcos cruciais na busca por ambientes laborais mais saudáveis e seguros
psicologicamente. Nesse contexto, o compliance, compreendido como a adesão rigorosa às
leis, regulamentos e políticas internas, emerge como ferramenta indispensável para
assegurar o bem-estar dos trabalhadores e evitar as severas consequências decorrentes da
não conformidade. O presente artigo visa analisar a intrínseca relação entre compliance e
saúde mental, explorando as implicações da Lei no 14.831/2024 e da NR-1 para o universo
corporativo.
1- O que é Compliance
O termo compliance deriva do verbo inglês “to comply”, que significa cumprir, obedecer,
estar em conformidade. No âmbito empresarial, compliance refere-se ao conjunto de
mecanismos e procedimentos internos adotados por uma organização para garantir que
suas atividades estejam em estrita observância às leis, regulamentos, normas internas,
códigos de conduta e melhores práticas de mercado. Um programa de compliance eficaz
abrange diversas áreas, desde a prevenção e detecção de fraudes e corrupção até a
garantia da segurança e saúde no trabalho, incluindo a essencial dimensão da saúde
mental.
2- A Relação entre Compliance, Saúde Mental e o Ambiente de Trabalho
O Compliance tem um papel estratégico na prevenção de riscos, e por isso a
implementação de um programa de compliance voltado à saúde ocupacional mental é um
diferencial para as empresas que buscam prevenir passivos trabalhistas e garantir
segurança jurídica.
O ambiente de trabalho exerce uma influência substancial sobre a saúde mental dos
indivíduos. Fatores como a sobrecarga de trabalho, prazos exíguos, falta de autonomia,
relações interpessoais tensas, assédio moral e sexual, e a ausência de reconhecimento
podem desencadear ou agravar quadros de estresse, ansiedade, depressão e outras
condições de saúde mental. Em contrapartida, um ambiente de trabalho saudável promove
o bem-estar, a produtividade e o engajamento dos colaboradores. Reconhecer e gerenciar proativamente os riscos psicossociais no trabalho é fundamental para a saúde dos trabalhadores e para o sucesso sustentável da organização.
3- Síndrome de Burnout e sua Regulamentação
O Burnout, também conhecido como Síndrome do Esgotamento Profissional, é um distúrbio
psíquico resultante do estresse crônico no ambiente de trabalho. Trata-se de uma sensação
de exaustão física e mental, despersonalização (sentimentos de cinismo em relação ao
trabalho ou de distanciamento emocional dos colegas) e diminuição da realização
profissional (sentimento de incompetência e falta de realização no trabalho).
O Burnout pode levar a uma queda no desempenho profissional, problemas de saúde física
e mental, e impactar negativamente a qualidade de vida do indivíduo.
A Síndrome de Burnout, foi incluída na Classificação Internacional de Doenças (CID-11)
pela Organização Mundial de Saúde (OMS), tendo sido reconhecida como uma doença
ocupacional. No Brasil, desde o início do ano de 2025, se passou a adotar a nova
Classificação.
A inclusão do Burnout como doença ocupacional amplia a responsabilidade das empresas
em cuidar da saúde de seus empregados.
4- Assédio Moral e Sexual no Ambiente de Trabalho
O assédio moral e sexual representam graves violações à dignidade e à saúde mental dos
trabalhadores. O assédio moral, caracterizado por condutas abusivas reiteradas que visam
humilhar, constranger ou degradar o empregado, cria um ambiente de trabalho hostil e
profundamente prejudicial à saúde psíquica. O assédio sexual, por sua vez, envolve
investidas de natureza sexual indesejadas, verbais ou físicas, que atentam contra a
liberdade sexual e a integridade psicológica da vítima. A legislação brasileira, embora não
possua uma lei específica para o assédio moral no âmbito trabalhista, tipifica o assédio
sexual como crime (art. 216-A do Código Penal) e responsabiliza o empregador por atos de
seus prepostos. A NR-5 (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio – CIPA+A)
também estabelece diretrizes para a prevenção e o combate ao assédio no ambiente de
trabalho.
O assédio pode afetar a saúde mental do colaborador que esteja sendo vítima de tal
violência, daí a importância das empresas adotarem políticas voltadas a prevenção de tal
prática, o que também pode estar previsto no programa de compliance da organização.
5- O que diz a Lei 14.831/2024 e a NR-1 sobre Saúde Mental e Trabalho
A Lei no 14.831/2024, incentiva empresas a adotarem políticas de promoção da saúde
mental no trabalho, oferecendo uma certificação voluntária para aquelas que
implementarem programas de suporte psicológico, prevenção ao assédio moral e sexual,
além de práticas que favoreçam o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Embora a certificação não seja obrigatória, ela pode gerar um diferencial competitivo no mercado, ajudando a atrair e reter talentos e a melhorar o clima organizacional.
Essa certificação voluntária serve ainda como uma estratégia para fortalecer a imagem da empresa como promotora de saúde e responsabilidade social, destacando-se em um cenário em que o bem-estar dos colaboradores se tornou uma prioridade crescente.
A Norma Regulamentadora no 1 (NR-1) – Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais estabelece a obrigatoriedade de as organizações implementarem o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), que deve contemplar a identificação, avaliação e controle dos riscos psicossociais. Isso implica que as empresas devem analisar os fatores presentes no ambiente de trabalho que possam impactar negativamente a saúde mental dos trabalhadores e adotar medidas preventivas e corretivas para mitigar esses riscos. A NR-1 também enfatiza a crucial importância da participação ativa dos trabalhadores na identificação e implementação das medidas de controle.
6- Consequências para o Mundo Corporativo em Caso de Não Conformidade com a
Lei 14.831/2024 e NR-1
A não conformidade com a legislação, no que concerne à saúde mental e segurança no
trabalho, pode gerar diversas consequências negativas e impactantes no mundo
corporativo, como o prejuízo à saúde do trabalhador, prejuízo ao ambiente de trabalho, e
também prejuízos às empresas, tais como:
- Responsabilidade Civil: A empresa pode ser responsabilizada civilmente por danos
morais e materiais causados aos trabalhadores em decorrência de doenças ou
agravamentos de saúde mental relacionados ao trabalho, resultando em obrigações de
indenização. - Responsabilidade Trabalhista: Reclamações trabalhistas buscando indenizações por
assédio moral, Síndrome de Burnout e outras condições podem gerar custos financeiros
substanciais para a organização, além de desgastar a relação com os empregados. - Sanções Administrativas: A inobservância da NR-1 pode acarretar a aplicação de multas
e outras sanções administrativas por parte dos órgãos fiscalizadores do trabalho. - Danos à Reputação: Casos de negligência em relação à saúde mental dos trabalhadores
podem prejudicar seriamente a imagem da empresa perante clientes, investidores,
potenciais talentos e a sociedade em geral, afetando sua capacidade de atrair e reter
profissionais qualificados. - Impacto na Produtividade: Um ambiente de trabalho psicologicamente insalubre tende a
gerar maior absenteísmo, presenteísmo improdutivo, rotatividade de pessoal e,
consequentemente, uma significativa queda na produtividade e nos resultados da empresa.
Conclusão
A saúde mental no ambiente de trabalho transcendeu a esfera da preocupação ética para
se consolidar como um imperativo legal e estratégico para as organizações. A Lei no
14.831/2024 e a NR-1 reforçam de maneira inequívoca a responsabilidade das empresas
em promover um ambiente de trabalho seguro e saudável psicologicamente, exigindo a
implementação de programas de compliance robustos que englobem a identificação,
avaliação e controle dos riscos psicossociais. A não conformidade com essa legislação
acarreta sérias consequências financeiras, legais e reputacionais. Portanto, investir em
compliance e em ações concretas de promoção da saúde mental não é apenas uma
obrigação legal, mas também uma estratégia inteligente e essencial para garantir o
bem-estar dos colaboradores, aumentar a produtividade e construir um futuro corporativo
mais sustentável, resiliente e humano.