IPI: O Curinga da Reforma Tributária

A EC 132/2023, embora muito elogiada pelos legisladores, pelo executivo e parte dos tributaristas, trouxe na prática um genérico arquétipo constitucional da unificação de tributos de circulação de bens e serviços e unificação das contribuições PIS/COFINS na CBS, com preocupante exagerada delegação à Lei Complementar para a implementação de todos os elementos do Fato Gerador dos novos tributos (criados ou unificados). Cite-se ainda, novos “Princípios Constitucionais Tributários” , vagos e imprecisos, como no do artigo Art. 145 , § 3º: O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente. Ora o que seria o “Princípio da Simplicidade”? Simplicidade para instituir? Para calcular, apurar e pagar? No primeiro caso, atenta a própria essência da legalidade tributária, no segundo uma figura inócua, pois na prática não ocorreu simplificação de métodos de apuração dos tributos de circulação de mercadorias ou serviços, vez que continuamos no sistema plurifásico da tributação. Ainda como esperado, a PEC no. 110/19 que eliminaria nove tributos (IOF,IPI,ICMS,ISS,PIS,Cofins,Salário Educação) sucumbiu a da PEC no. 45/19 que previa a extinção do IPI,ICMS e ISS criando o IVA. Mas na verdade, seu próprio texto foi vulnerado, quando convenientemente ao Poder Executivo, o IPI foi excluído do IBS (imposto sobre a circulação de bens e de serviços) que resumiu-se a unificar os impostos da competência estadual e municipal, cuja base de cálculo e demais contornos são as mesmas da CBS.

DA LEI COMPLEMENTAR 214/2025

Publicada em 16/01/2025, com origem no Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/24,
a lei segue a atentar a tecnicidade, e sem dúvidas deverá experimentar diversas discussões no âmbito de sua constitucionalidade, por alterações feitas, na penumbra do dia final de sua aprovação.
Embora já sancionada a Lei, o Poder Executivo apresentou 15 (vetos ), que também fugindo a normalidade do rito do artigo 66 da CF/88, foram recebidos no Congresso no dia 17/01/2025 e sobrestado para apreciação para pauta à partir de 05/03/2025.

Como ainda precário, ou mesmo impossível se traçar o quanto a reforma pode onerar o contribuinte, pois somente quando divulgados suas alíquotas, segundo complexos critérios previstos em ADCT com utilização de bases do PIB e de arrecadação de períodos pretéritos, que não seria ousado dizer, criados aleatoriamente para fixação das alíquotas do IBS e CBS, abordaremos aqui pontualmente o fator da exclusão inesperada do IPI na unificação dos tributos de circulação que sempre esteve presente em todas as PECs da Reforma Trabalhista

Como dito, o IPI tornou-se o “Curinga” que o Congresso entregou ao Poder Executivo, que usamos aqui em simbolismo, a carta do baralho que em certos jogos muda de valor conforme a combinação, com sua exclusão na unificação no IBS e CBS. Considerando-se nas regras de transição, potencialmente poderá haver necessidades de congelar ou reduzir alíquotas, tanto do IBS e CBS, segundo média ponderada da carga tributária máxima experimentada antes da reforma, considerando-se ainda a tendência de uma máquina administrativa que quanto mais arrecada mais gasta, não há dúvidas que havendo necessidade e, considerando-se que o IPI continua a viger nas regras originais da CF/88, suas alíquotas que passaram a ser zeradas pela LC 214/2025, com exceção dos produtos fabricados na Zona Franca de Manaus que continuam tributados fora da ZFM,independentemente da regra da legalidad , anterioridade poderão ser aumentadas as alíquotas do IPI zeradas na LC 214/2025. Isto porque, continua sendo o IPI , previsto no artigo 153, inciso IV da CF/88, um tributo seletivo e extrafiscal, sendo que o fato de sua redução a zero para todos os itens não fabricados na Zona Franca de Manaus , em nada assegura o contribuinte em vir a novamente e sob absoluta surpresa experimentar a elevação da alíquota para 5%, 10%, ou seja lá qual alíquota vir a ser indicada, destruindo qualquer previsão orçamentária das fontes produtivas, em prol da satisfação imediata de déficits pela ineficiência da máquina administrativa.

Art. 153
IV
§ 1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.
Note-se todavia, que esta majoração da alíquota não se submete aos Princípios da legalidade Tributária (lei) ou da anterioridade :

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
III – cobrar tributos:
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I,, 153 I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.

Portanto, como fizemos em figura retórica, aí está o “curinga” da reforma tributária em prol do Executivo. O seu absoluto poder de, a qualquer momento, desde que respeitada a regra da noventena, rever as alíquotas do IPI, agora reduzido a alíquota zero. Nem se diga que tal hipótese seria impossível de acontecer porque as alíquotas “zero” foram fixadas por Lei complementar. Isto porque a redução das alíquotas no texto da Lei Complementar se deu por questão de conteúdo e não de forma legal obrigatória do sistema tributário, já que as alíquotas do IPI decorrem do sistema constitucional ainda vigente do referido tributo (artigo 153, IV) desabrigado de qualquer vinculação a EC 132/2023.

Mas não para aí. Como os Estados, DF e os Municípios tendem a ser prejudicados , no período de transição do sistema, com a convivência cumulativa do ICMS/ISS com o IBS, a própria LC 214/2025 prevê que se cobrado , o IPI entra na base de cálculo do IBS, que além de clara ofensa ao artigo 154, I da CF/88 (veda bitributação Impostos com mesma base de cálculo), haverá um efeito cascata na inflação dos preços a serem praticados no varejo. Enfim, o maior vitorioso da reforma tributária foi a União, que manteve incólume todos tributos de sua competência, o direito de voltar a cobrar o IPI e criar efetivamente o Imposto sobre Grande Fortunas. Some-se a isto a criação do IS (Imposto Seletivo).Quanto ao maior perdedor, como sempre, o contribuinte

Luiz Fernando Maia
Mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário
Sócio Fundador da Maia Sociedade de Advogados

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