O direito à propriedade, garantido pela Constituição Federal, encontra seu pleno exercício quando alinhado à sua função socioambiental e ao direito coletivo a um meio ambiente equilibrado. Essa harmonia, fundamental para o desenvolvimento sustentável, é um objetivo primordial da legislação ambiental brasileira.
Já a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), em seu artigo 2º, estabelece que a preservação e melhoria da qualidade ambiental visam assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.
Nesse contexto, a Lei do Cerrado de São Paulo (Lei nº 13.550/2009), especialmente em seu Artigo 8º, reflete essa busca ao regular a supressão de vegetação nativa em áreas urbanas, condicionando-a a requisitos que visam conciliar o desenvolvimento com a preservação.
A Constituição, por sua vez, determina que a ordem econômica observe a defesa do meio ambiente e a função social da propriedade. Legislações como o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) e o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) detalham esses preceitos, orientando o planejamento urbano através de instrumentos como o Plano Diretor, essencial para guiar a ocupação do solo de forma sustentável.
O Artigo 8º da lei paulista exemplifica essa abordagem. Ao permitir a supressão de vegetação para edificação ou parcelamento do solo mediante autorização e cumprimento de exigências – como a preservação de um percentual mínimo de vegetação nativa (20%) e de fragmentos existentes – a lei não veda o uso da propriedade. Pelo contrário, ela o modula, indicando que é possível construir e, ao mesmo tempo, manter uma parcela do patrimônio natural, buscando um uso alternativo e mais consciente do solo.
É importante notar que, embora a preservação de vegetação em lotes individuais cumpra funções ambientais relevantes, como a melhoria da infiltração da água no solo e do microclima urbano, sua eficácia para a manutenção da biodiversidade animal pode ser limitada. Pequenos fragmentos isolados nem sempre sustentam habitats complexos ou corredores ecológicos vitais para a fauna silvestre. Contudo, sua contribuição para a qualidade ambiental urbana e para a hidrografia local é inegável.
Nessa ponderação, é fundamental reconhecer que o foco não pode recair unicamente na preservação ambiental, olvidando as prementes necessidades do desenvolvimento socioeconômico. A sociedade contemporânea organiza-se majoritariamente em centros urbanos e depende de um dinamismo econômico para seu sustento e evolução.
Não habitamos florestas virgens, mas sim cidades que demandam infraestrutura, moradia, emprego e serviços. Uma visão que desconsidere essa realidade em nome de um ideal preservacionista absoluto seria não apenas impraticável, mas também desatenta às justas aspirações humanas por melhores condições de vida.
O desafio, portanto, é compatibilizar a conservação com o progresso, assegurando que o desenvolvimento não aniquile os recursos naturais, nem que a proteção ambiental paralise as iniciativas que promovem o bem-estar social.
O Código Florestal, mesmo focado em áreas rurais, APPs (área de preservação permanente) e reserva legal, também reconhece a dinâmica urbana, prevendo mecanismos para a regularização e o uso sustentável em tais espaços. A legislação busca, assim, integrar a proteção da vegetação à realidade das cidades.
Reforçando essa lógica de desenvolvimento condicionado e responsável, a Resolução SEMIL nº 02/2024, do Estado de São Paulo, detalha os critérios para a compensação ambiental devida pela supressão autorizada de vegetação.
Ao estabelecer parâmetros técnicos para essa compensação, a resolução não impede o desenvolvimento. Em vez disso, ela assegura que os impactos sejam adequadamente contrabalançados, operacionalizando o princípio do poluidor-pagador e viabilizando a intervenção mediante uma contrapartida ambiental clara. A própria existência de uma norma sobre como compensar pressupõe a possibilidade de suprimir de forma legal e planejada.
Essa interação entre leis e regulamentos demonstra um esforço contínuo para alcançar o desenvolvimento sustentável, conforme preconizado por marcos como o Relatório Brundtland (CMMAD, 1988). Trata-se de permitir que as necessidades de desenvolvimento da sociedade sejam atendidas sem comprometer a capacidade das futuras gerações de suprir as suas, equilibrando os pilares econômico, social e ambiental, conforme o conceito de desenvolvimento sustentável adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas).
Em suma, o Artigo 8º da Lei do Cerrado Paulista e as normativas correlatas, federais e estaduais, não representam um obstáculo intransponível ao direito de construir. São, na verdade, instrumentos que orientam o exercício desse direito, conduzindo a uma utilização do solo que, embora permita o desenvolvimento urbano, o faz de maneira planejada, mitigando impactos e buscando a manutenção de uma qualidade ambiental essencial para cidades mais resilientes e saudáveis.