Em recente artigo, escrevemos sobre a surpresa do contribuinte com a decisão do STF, através do Ministro Relator da ADI 7633 (Cristiano Zanin Martins) suspendendo a vigência dos artigos 1o, 2o, 3o, 4o. e 5ª da Lei Federal no. 14.784/2023, que prorroga a chamada desoneração da Folha de Pagamento, mantendo a sua cobrança em percentuais de 1% a 4,5% sobre o valor da receita das empresas de dezessete setores beneficiados com a tributação diferenciada.
Com a concessão da liminar, com o efeito “Ex Tunc” a contribuição de seguridade social voltaria a ser cobrada a partir de 17/05/24 (data da concessão da liminar). Corroborando o tormento do segmento afetado pela decisão liminar do STF, a RFB divulgou nota em seu site, contrariando os próprios termos da decisão do Ministro do Supremo Federal, informando que a cobrança pela sistemática de incidência sobre a folha de salário aconteceria retroativamente à partir de 01/04/2024.
Mas as surpresas não pararam aí. Agora, de forma menos desconfortável, os contribuintes são surpreendidos, quando o próprio Governo Federal que suscitou a inconstitucionalidade, dentre outros argumentos pelo não cumprimento da análise do impacto orçamentário da desoneração, pede em 15/05/2024 a suspensão da ADI:
“Ante o exposto, e reforçando o compromisso institucional do Poder Executivo em, dentro de suas competências, trabalhar pela aprovação das medidas legislativas aqui mencionadas voltadas a estabelecer a retomada progressiva da cobrança da contribuição previdenciária sobre folha de salários a partir do ano de 2025, assim como medidas de compensação financeira de magnitude adequada para garantir o custeio constitucionalmente responsável dos benefícios fiscais implicados, o Advogado-Geral da União postula o seguinte:
(i) seja ouvido o Congresso Nacional sobre a presente petição; em especial a viabilidade de obter deliberação final, dentro de 60 (sessenta) dias, do PL a ser encaminhado pelo Poder Executivo;(ii) seja suspenso o presente processo, pelo prazo de 60 (sessenta) dias, com fundamento no artigo 313, inciso III, do CPC, para fins de fomentar a obtenção de solução compositiva a respeito da desoneração da folha estabelecida nos artigos 1o, 2o e 5o da Lei no 14.784/2023; e
(iii) cumulativamente, no ponto em que suspende a eficácia dos artigos 1o, 2o e 5o da Lei no 14.784/2023, sejam modulados prospectivamente todos os efeitos da medida cautelar concedida nos autos, para que tenha início somente ao final do intervalo de 60 (sessenta) dias acima mencionado, garantindo, assim, o intervalo necessário à deliberação legislativa.
O Ministro Cristiano Zanin, do STF, atendendo ao requerimento da União, suspendeu por 60 dias os efeitos da decisão cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7633, ou seja , durante 60 dias segue vigente os artigos 1o a 5o, da lei nº 14.784/2023, que em votação no plenário virtual, já tinha cinco votos pela inconstitucionalidade da desoneração. No fim, o que temos é mais uma inédita modulação de efeitos de uma decisão do STF, desta feita a modulação de efeitos, na prática, restringe os efeitos de decisão (Liminar) por determinado período de tempo.
Resumo da realidade atual da desoneração da folha (salvo novas surpresas):
1) Embora a decisão do Ministro Zanin quanto ao efeito modulador da liminar (suspensão por 60 dias), depende da ratificação dos demais Ministros do STF, encontra-se por ora em plena eficácia
2) O contribuinte no âmbito administrativo da RFB, já tem assegurado em manter a desoneração da folha durante o prazo acima, no entanto, sujeitos a complexas retificações contábeis e fiscais, caso já tenha retido de seus prestadores a alíquota sem a desoneração (10%), com complexas retificações do DCTFWeb/eSocial/EFD-Reinf.
Nova Lei de Desoneração e Reflexos em relação a ADI 7.633 – DF
Tudo caminha na sintonia do Poder Legislativo e Executivo, ser criado novo projeto de Lei, onde a desoneração será mantida em 2024 com as alíquotas atuais de 1% a 4,5%, em 2025 volta a tributação da seguridade social sobre a folha, com alíquota de 5%, 2026, alíquota de 10%, 2027 alíquota de 15%, até voltar a tributação normal como as demais empresas não sujeitas ao regime de desoneração de folha, ou seja, à partir de 2028 volta à alíquota de 20%.
A lógica jurídica, nos faz crer, que aprovado a nova Lei de desoneração de folha, agora gradativamente de 2024 a 2028, com a expressa revogação dos artigos 1o, 2o, 3o, 4o e 5o. da Lei no. 14.784/23, a ADI 7.633 – DF seja extinta pela perda do objeto.
Mas de outra parte, este passado conturbado da ADI 7.633-DF deixou marcas, que não podem ser simplesmente ignoradas;
1. Considerando que um dos pedidos da ADI 7.633-DF está embasado na falta de estudo do impacto econômico orçamentário da desoneração em cumprimento ao artigo 113 dos ADCT da CF/88, como se compatibilizar a concessão de nova desoneração com o artigo 113 dos ADCT, já que por lógico, o executivo também não fez tal estudo, ao contrário, não contava em seu plano econômico com esta perda de receita?
2. Como pacificado pelo STF, quando um tributo volta a ser onerado, quando antes total ou parcialmente desonerado, deve ser obedecido a regra da noventena constitucional (Tema 881- repercussão geral), como dar-se-á a imposição gradativa da elevação das alíquotas em 2025 e anos subsequentes de 2026 e 2028?
3. A peça inicial da ADI 7.633-DF alega ainda, que o artigo 30 da Emenda Constitucional no. 103/2019 passou a vedar a diferenciação ou substituição de base de cálculo prevista no parágrafo 9o do artigo 195, inciso I da CF/88, alínea “a”, ao nosso ver, em interpretação totalmente equivocada, já que o citado artigo 30 apregou justamente ao contrário, ou seja, a vedação não se aplica a alterações de base de cálculo ocorridas antes da EC 203/2019, sendo certo que a desoneração da folha nos mesmos moldes discutidos na ADI, já existia antes da EC, ou seja desde 2011 (lei 12.546/2011):Art. 30. A vedação de diferenciação ou substituição de base de cálculo decorrente do disposto no § 9º do art. 195 da Constituição Federal não se aplica a contribuições que substituam a contribuição de que trata a alínea “a” do inciso I do caput do art. 195 da Constituição Federal instituídas antes da data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional. Pois bem, como seguir com a desoneração à luz dos impedimentos do artigo 30 da Emenda Constitucional 103/2019 que distorcidamente a ADI trouxe à tona?
Acreditamos que não foi intencional, mas o imbróglio que se deu desde a não recepção da Medida Provisória no.1.202/2023 que pretendia desonerar a folha de salários para os segmentos diferenciados envolvidos, o projeto de Lei derivado da não recepção desta parte da medida provisória e consequente promulgação da Lei 14.874/2023 prorrogando a desoneração e ao final a propositura da ADI, acabou levando inconscientemente o Poder Legislativo e Executivo a usarem uma ação constitucional de tão magnitude em nosso sistema de Freios e Contrapesos, como verdadeiro balcão de negociação, em ambiente e forma absolutamente incompatível, com reflexos deletérios a todas as partes envolvidas, pelo menos no que tange as interpretações sistemáticas, teleológicas e da legalidade tributária que foram exteriorizadas na peça inicial da ADI e que,com a nova lei acordada dispondo sobre a manter a desoneração e paulatinamente a desconstitui-la, não guardam nenhuma lógica jurídica.
Na dinâmica que caracteriza os países democráticos, não é incomum, segundo a variação tempo e espaço, posições antagônicas de uma mesma linha político partidária, haja visto que a primeira lei que desonerou a folha de pagamento (Lei 12.546/2011), nasceu de Medida provisória proposta do atual partido da presidência da república, no governo Dilma Rousseff. Assim, não é impossível em futuro vir a ser proposta nova lei de desoneração da folha, onde a União, se for o caso, terá dificuldade de novamente confronta-la com os mesmos argumentos que agora usou na ADI 7.633-DF, sob pena de agir em “Venire Contra Factum Proprium”