ICMS – Transferência de Mercadorias – LC 204 – Veto Presidencial deve onerar a maior parte dos contribuintes do ICMS

No final do ano de 2023 houve a esperada sanção presidencial do Projeto de Lei (PLS 332/2018) para adequar a legislação federal do ICMS ao que foi decidido pelo STF na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, que declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996), para reconhecer a ausência do fato gerador para fins de ICMS, por ausência do elemento econômico, portanto a não incidência do ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica. Na época, o STF modulou a eficácia da decisão a partir do exercício financeiro de 2024.

Pois bem, em 28 de dezembro de 2023 e publicada em 29 de dezembro de 2023 foi sancionada a Lei Complementar 204, contudo, a sanção trouxe consigo um veto atécnico e inapropriado que implicará em aumento da carga tributária do contribuinte do ICMS.

O texto suprimido pelo veto foi a totalidade do parágrafo 5º dado ao art. 12 da Lei Complementar 87/96 que teria a seguinte redação:

§ 5º Alternativamente ao disposto no § 4º deste artigo, por opção do contribuinte, a transferência de mercadoria para estabelecimento pertencente ao mesmo titular poderá ser equiparada a operação sujeita à ocorrência do fato gerador de imposto, hipótese em que serão observadas:

I – nas operações internas, as alíquotas estabelecidas na legislação;
II – nas operações interestaduais, as alíquotas fixadas nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal.

Razões do veto: “Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, ao trazer insegurança jurídica, tornar mais difícil a fiscalização tributária e elevar a probabilidade de ocorrência de elisão fiscal ou, até mesmo, de evasão.”

Nem todos os contribuintes possuem o interesse na não incidência do ICMS na transferências de mercadorias, ante o efeito colateral produzido na maioria das situações, qual seja, sobre créditos no estabelecimento remetente e excesso de débitos no estabelecimento recebedor.

Quando estamos falando em transferências de mercadorias dentro do Estado de São Paulo, indicamos fortemente que o contribuinte adote a sistemática da apuração centralizada do débito do ICMS. Nesta condição será possível ao final da apuração equilibrar o débito e crédito gerado nos diferentes estabelecimentos para viabilizar um encontro de contas para manter a carga tributária.

Mas quando estivermos falando em operações de circulação de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte mas sediados em Unidades Federativas diferentes?

Neste caso não existe a opção de centralização da apuração e pagamento do imposto, gerando risco de saldo credor no estabelecimento remetente e excesso de débito no recebedor..

Só quem experimentou ter saldo credor (fiscal) de ICMS sabe o quanto é ruim este tipo de “crédito” que possui limitações para utilização ante as restrições legais, não pode ser facilmente transferido ou ressarcido, não é corrigido monetariamente se tornando um grande entrave ao seu detentor, ao ponto de indiretamente tornar inócuo o princípio constitucional da Não Cumulatividade do ICMS.

Já no Estabelecimento recebedor da mercadoria sem o destaque do ICMS na transferência, poderá importar em um aumento da carga tributária, pois o débito de ICMS incidirá sem a correspondente consideração do crédito, gerando um ICMS mais elevado para relativização do direito do contribuinte à não cumulatividade do ICMS. Agrava-se ainda a situação pelo fato de vários Estados, em especial do norte e nordeste terem recentemente aumentado suas alíquotas internas do imposto:

Desta forma, imagine uma empresa comercial paulista que possui um centro de distribuição de mercadoria no Estado do PI, que ao transferir sua mercadoria para seu CEDIS manterá o crédito de ICMS no Estado de São Paulo e ao dar a saída destas mercadorias será tributada em 21% na operação própria sem créditos de ICMS para abatimento do débito. Imagine ainda se esta mercadoria for tributada pelo ICMS-ST, que deverá ser agregado no documento fiscal na operação de venda. Já fica fácil de entender o quanto isto oneraria o contribuinte e o custo da mercadoria, uma vez que este custo será repassado.

As observações acima são alguns dos sintomas dos malefícios que este veto trará aos contribuintes de ICMS e consumidores que, provavelmente, a não incidência do ICMS nessas operações tornará a mais cara a mercadoria.

Mas e as razões do veto, se sustentam? Entendemos que não.

Razões do veto: “Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, ao trazer insegurança jurídica, tornar mais difícil a fiscalização tributária e elevar a probabilidade de ocorrência de elisão fiscal ou, até mesmo, de evasão.”

Vamos por etapas:

  • Tornar mais difícil a fiscalização tributária: Não há como sustentar que a fiscalização seria dificultada, pois esta situação existe desde 1988, ou seja, já se transfere mercadorias com ICMS há pelo menos 35 anos. O destaque do ICMS ocorre em documento fiscal eletrônico e declarado em SPED fiscal de ICMS e IPI, o que permite a fiscalização em tempo real pela autoridade fiscal.
  • Elevar a probabilidade de ocorrência de elisão fiscal ou, até mesmo, de evasão: Este argumento é o mais preocupante, pois sinaliza um visão do Governo Federal no sentido de que o contribuinte não teria sequer o Direito de se planejar em matéria tributária, colocando a elisão fiscal no mesmo patamar da evasão fiscal, o que é impensável dentro de um Estado democrático de Direito, mormente onde a realidade é o gasto público descontrolado.

Acreditamos que este veto precisa ser revisto com urgência pelo Congresso Nacional, pois criou mais uma insegurança jurídica, aumento da carga tributária e limitação do Direito Constitucional do Contribuinte em se organizar em matéria tributária.

Será que teremos que contar, novamente, a “estória” da Galinha dos ovos de ouro…

Nos colocamos à disposição para maiores esclarecimentos.

Luiz Fernando Maia
Celso Augusto Landgraf Junior

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