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STF reconhece validade de medidas coercitivas para assegurar cumprimento de ordem judicial

Nos últimos dias, a mídia tem noticiado julgamento proferido pelo STF, o qual valida medidas de apreensão de carteira de habilitação, bem como, de passaportes, para assegurar o cumprimento de ordens judiciais, inclusive de ações que tenham por objeto prestação pecuniária, como, por exemplo, cobrança de dívidas.

A partir da divulgação em massa desta decisão, surgiram diversas dúvidas a respeito do tema, tais como: trata-se de uma lei; a partir de quando se aplica; qualquer devedor está sujeito a esta decisão?
Assim, com base nesses questionamentos recorrentes, o presente informativo tem por objetivo, resumir, de maneira simples, o significado desta decisão.

  1. Origem.

    Inicialmente, e de forma singela, esclareça-se que, no direito brasileiro, via de regra, até que uma lei seja declarada inconstitucional, ela é considerada válida e, portanto, em conformidade com a Constituição Federal.

    No entanto, existem várias formas de se questionar a constitucionalidade de uma lei, sendo uma delas, a chamada ADI, que significa Ação Direta de Inconstitucionalidade, a qual pode ser proposta apenas por determinados entes políticos, como o Presidente da República, Governador de Estado ou do Distrito Federal, partido político com representação no Congresso Nacional, dentre outros entes elencados no artigo 103, da Constituição Federal.

    Neste contexto, o Código de Processo Civil brasileiro (CPC), prevê, em seu artigo 139, inciso IV, que:
    Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
    […]
    IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

    Com base nisso, o Partido dos Trabalhadores, ingressou, em 11.05.2018, com uma ADI, questionando ao STF a constitucionalidade deste artigo, alegando que a busca pelo cumprimento das decisões judiciais, por mais legítima que seja, não pode se dar sob o sacrifício de direitos fundamentais, nem “atropelar” o devido processo constitucional.

    Além do artigo acima mencionado, também foram questionados dispositivos com conteúdos similares, como os artigos 297, 380, 400, 403, 536 e 773, todos do CPC.
    Conforme entendimento do autor da ação, esses dispositivos violam a Constituição Federal, no tocante à dignidade da pessoa humana, ao princípio da legalidade, ao direito de ir e vir, dentre outros.

    Diversas entidades se manifestaram nesta ação. A Advocacia Geral da União argumentou que as medidas são válidas e, se aplicadas de acordo com os direitos constitucionalmente assegurados, e de forma proporcional, não comprometem o direito de liberdade ou de locomoção.

    A Procuradoria Geral da República opinou no sentido de que as medidas são desproporcionais e atingem direitos fundamentais, como o de ir e vir e de circular pelo território nacional.

    Assim, no último dia 08.02.2023, o Plenário do STF se reuniu, e iniciou o julgamento desta ação (ADI nº 5941).
  2. O resultado da ação.

    Na sessão do dia 09.02.2023, a ação foi julgada improcedente.

    Deste modo, o Plenário do STF decidiu, por maioria, que medidas como, por exemplo, a apreensão da CNH ou do passaporte são válidas, assim como a suspensão do direito de dirigir e participação em concurso ou licitação pública, desde que não afetem direitos fundamentais.

    Contudo, as decisões judiciais que implementam essas medidas, devem observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, aplicando-as da forma menos gravosa ao devedor, devendo serem adequadas caso a caso.
  3. Quais são as principais medidas.

    O artigo 139, inciso IV, do CPC, elenca, portanto, a adoção de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para assegurar o cumprimento de ordem judicial.

    Neste contexto, questiona-se o que, efetivamente, seriam essas medidas. Malgrados os conceitos doutrinários individualizados, pode-se traçar as seguintes considerações acerca dessas medidas.
    Coercitivas: de um modo geral, são medidas adotadas para “pressionar” o devedor a cumprir a obrigação a que foi condenado, como, por exemplo, pagar uma dívida. Ocorre que, ao não cumprir a decisão, é estipulada uma consequência negativa para o devedor, caso esta obrigação não seja cumprida.

    Exemplos: multas (astreintes), prisão do devedor alimentar, inclusão do nome do devedor em cadastro de inadimplentes.

    Indutivas: nas medidas indutivas, a ideia também é de “pressionar” o devedor a cumprir a obrigação. Contudo, existe uma consequência positiva, uma espécie de prêmio ou incentivo, ou mesmo, isenção de pena, para o devedor cumprir a obrigação.

    Exemplo: caso o devedor pague uma dívida, ao ser citado para responder uma ação monitória, os honorários advocatícios a que seria condenado são reduzidos para 5% (cinco por cento) do valor do débito, ao invés de 10% (dez por cento) ou mais, e haverá isenção de custas processuais (art. 701, do CPC).

    Sub-rogatórias: neste tipo de medida, o juiz se coloca na posição do obrigado, procurando satisfazer o direito do credor.

    Exemplos: ordenar a busca e apreensão de determinado bem; determinar a alienação judicial de um bem penhorado.

    Mandamentais: nas medidas mandamentais, vistas como exceção às demais medidas, o juiz emite uma ordem, sob pena de ser considerada prática criminosa a sua não obediência (crime de desobediência). A medida é vista como excepcional, pois é sempre preferível que o próprio obrigado cumpra a obrigação, de forma voluntária. Tal tipo de medida, pode, ainda, ser direcionada à própria parte, ou a um terceiro, não integrante da relação processual.

    Exemplos: ordenar a nomeação de um agente público (era preferível que o próprio órgão público assim o fizesse), ordenar a inclusão em folha de pagamento das obrigações de trato sucessivo, como a pensão alimentícia (era preferível que o próprio devedor efetuasse o pagamento).

    Como se vê, não existe uma lista de medidas a serem aplicadas, todos os exemplos acima mencionados são passíveis de utilização pelos juízes, sem prejuízo de outros tantos meios que permitam a satisfação do direito reconhecido.
  4. Efeitos / Aplicação (não) obrigatória.

    Da forma como foi noticiada a decisão pela mídia, fica a impressão ao leitor não atuante nas carreiras jurídicas, de que, a partir de agora, se determinado devedor não pagar uma dívida, ele terá sua CNH e passaporte apreendidos, seu direito de dirigir suspenso, ser proibido de participar de concursos públicos, etc.

    Contudo, esta não é a análise correta!

    A bem da verdade é que a legislação em questão já estava valendo, ao menos desde a vigência do atual CPC (março de 2016), e com este julgamento do STF, não haverá qualquer alteração.
    Para se ter ideia, anteriormente, o Fórum Permanente de Processualistas Civis havia editado o seguinte enunciado de número 12:

    “A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II”

    O que ocorre é que, ao longo do tempo, quando essas medidas passaram a ser aplicadas por alguns juízes, passou-se a discutir se as mesmas afrontavam ou não a Constituição Federal.

    Quanto ao passaporte, firmou-se uma tese de que a apreensão de passaporte é ilegal e arbitrária, por restringir desproporcionalmente o direito de ir e vir, garantido constitucionalmente.

    Quanto à suspensão de CNH, o STJ já havia se manifestado favorável à medida, desde que fosse algo excepcional e exauridos os meios coercitivos típicos, como penhora de ativos, veículos e imóveis, antes da adoção da medida atípica.

    Assim, o que a decisão da ADI fez, foi confirmar a validade dessas medidas, desde que o juiz observe a proporcionalidade e a execute da forma menos grave ao infrator.

    Como conclusão, não é toda pessoa com dívida que sofrerá a aplicação dessas medidas, mas apenas se, a seu critério subjetivo, o juiz entender necessário, sendo que no julgamento em questão já restou assegurado que essas medidas não serão aplicadas para devedores de pensão alimentícia.
    Em outras palavras, com essa decisão, o STF confirma que se um juiz determinar a apreensão da CNH de um devedor, essa medida não é inconstitucional, e pode ser aplicada. Por outro lado, caso o juiz entenda que não é necessário, a decisão não obriga que o juiz aplique referida medida.
  5. O que esperar do futuro.

    Após o pedido dos credores, muitos juízes vinham decidindo que a restrição ao direito de dirigir, a suspensão do passaporte, dentre outros meios, violavam direitos fundamentais do devedor, indeferindo referidos pleitos.

    A partir de agora, com o aval do STF, essa não deverá mais ser a razão de não se conceder a aplicação de tais medidas. A confirmação da validação da lei pelo Supremo Tribunal Federal, concedeu maior segurança jurídica, e estipulou parâmetros aos magistrados para aplicação de tais atos.

    É o que se chama de discricionariedade judicial. A autorização genérica da lei, representa o dever do magistrado de dar efetividade às decisões judiciais, fazendo valer seus julgados.
    Desta forma, o que se espera é que, de agora em diante, os juízes decidam com base nos valores já existentes no ordenamento jurídico, no sentido de se resguardar e promover a dignidade dos devedores, mas aplicando, com razoabilidade, essas medidas.

    Assim, acredita-se que tais medidas passem a ser aplicadas de forma mais frequente, adequando-as caso a caso, sendo certo que, havendo abuso na sua aplicação, poderá o devedor se valer do recurso competente, quando a autoridade superior confirmará ou não a decisão do magistrado de primeiro grau.

    Registre-se que até a presente data, a íntegra da decisão não havia sido publicada, nem disponibilizada no portal do STF. O escritório MAIA E ADVOGADOS segue acompanhando e este informativo será atualizado tão logo a decisão seja publicada, em sua versão integral.
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